Visão Geral de Finanças

Resenha

Finanças
Teoria
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

25 de outubro de 2021

A moderna teoria de finanças se iniciou nos anos 50 com marcos de inovação nas pesquisas voltadas a compreender os efeitos das decisões no equilíbrio do mercado. Nos anos precedentes, os assuntos de finanças tratavam, essencialmente, de definir como os gestores deveriam tomar decisões com base em custo ótimo de capital, política de dividendos, dentre outros. Com a emergência das pesquisas denominadas positivas, as finanças passaram a ser abordadas sob vários aspectos, cujos resultados ampliaram o entendimento das implicações práticas das tomadas de decisão. Esses aspectos, assim como as motivações e implicações de seu surgimento são discutidos sob prismas convergentes (mas não totalmente semelhantes) por Jensen e Smith Jr. (1984) e por Miller (1999). Ambos são objetos dessa resenha. Tratam do momento de trade-off entre os aspectos normativo e positivo das finanças, além de discorrem sobre a construção lógica para a construção de cada teoria abordada.

A revisão do desenvolvimento da teoria moderna das finanças apresentada por (Jensen & Smith Jr., 1984) se desenvolve fazendo um contraponto da teoria positiva com o que denominou de teoria normativamente orientada (normatively oriented) para demonstrar a fragilidade da teoria de finanças até então difundida (década de 50). Na discussão proposta por (Miller, 1999), a proposta é a mesma sendo definidos os contrapontos entre as abordagens business school (normativa) e economic department (positiva). Assim, enquanto o primeiro traça uma revisão de literatura sobre a teoria de finanças, o segundo se desprende da obrigação de um survey abrangente e escolhe os temas considerados relevantes pelo autor. Ambos apontam para a abordagem positiva como melhor para o processo decisório. Para Jensen e Smith Jr. (1984), não é possível decidir qual ação tomar e esperar atender seu objetivo se não se sabe o efeito da decisão.

A discussão entre abordagem normativa e positiva em finanças é intrigante, pois durante o desenvolvimento teórico houveram divergências quanto a essa classificação. O trabalho de Markowitz sobre a teoria das carteiras, em 1952, foi considerado por Milton Friedman (economista da escola de Chicago, influente em vários campos de pesquisa em sua área) como não pertencente ao departamento de economia, dado seu aspecto normativo. Entretanto, sua tese fora defendida no departamento de economia (Miller, 1999). Markowitz, identificou o rendimento esperado de um investimento com base na sua média e variância, cujo resultado permite ao tomador de decisão escolher o melhor investimento. De acordo com o algoritmo de média-variância de Markowitz define-se um conjunto eficiente de portfólios como aquele que fornece um máximo de retorno para uma dada variância e um mínimo de variância para um retorno esperado (Jensen & Smith Jr., 1984).

O retorno esperado obtido por meio da proposta de Markowitz apresenta fragilidades importantes, essencialmente quanto ao fato de não fornecer um portfólio ótimo, pois se os inputs do modelo são os mesmos, todos os investidores tenderão a possuir o mesmo portfólio (Miller, 1999). Com base na abordagem normativa de Markowitz, as pesquisas individuais de Treynor, Sharpe e Lintner criaram uma teoria positiva para a determinação dos preços dos ativos. O fato de o modelo de Markowitz assumir variáveis fixas foi resolvido por meio da incorporação da análise da covariância entre o retorno da empresa alvo com o retorno de todos os ativos. A partir do momento em que um número crescente de investidores passaram a investir em índices de fundos, o risco de mercado passou a ser definido abrindo espaço para definição do retorno do mercado. Dessa metodologia surgiu a medida de risco conhecida e utilizada até a atualidade: o Beta (Jensen & Smith Jr., 1984; Miller, 1999).

O beta, juntamente com a taxa livre de risco e retorno do mercado passaram a compor o Modelo de Precificação de Ativos – CAPM (Capital Assets Pricing Model). A teoria de precificação de ativos define, portanto, o custo de oportunidade da empresa em decisões orçamentárias (Jensen & Smith Jr., 1984). Uma das vantagens do CAPM, mencionada por Miller (1999), é o fato de a ciência buscar explicar muito com pouco e o CAPM atender essa demanda como poucos modelos em finanças. Os benefícios do CAPM foram importantes a ponto de gerar grande volume de pesquisas empíricas testando-o, sendo abordado em pesquisas teóricas e empíricas. Sua desvantagem (ou consenso entre profissionais) é que uma única medida de risco pode não ser suficiente para descrever uma cross section de retornos esperados. Além do mais, o fator mercado e outros dois riscos (risco e tamanho) foram identificados para ações ordinárias (Miller, 1999).

Esses fatores correspondem ao fato de quanto mais arriscada, maior o retorno (fator risco), quanto menor a firma, maior a seus retornos (fator tamanho) e quanto maior o book-to-market das empresas maiores os seus retornos (fator mercado). Assim, a depender da sofisticação do investidor, seus retornos poderiam ser maiores ao observar a possibilidade de ganhos superiores em determinadas firmas. Entretanto, a Hipótese de Eficiência do Mercado (HME) propõe ser impossível obter ganhos econômicos anormais (bater o mercado) com base em informações disponíveis. De acordo com Miller (1999), nos anos trinta foi documentada a inabilidade de 45 agências profissionais preverem as mudanças nos preços. Alguns estatísticos (Working, Kendall e Osborne) também buscaram, individualmente, identificar explicações para as mudanças nos preços, porém acabaram definindo a mudança nos preços como um “passeio aleatório” (random walk). Isso significa não haver padrão definido (ou definível) para os dados (Jensen & Smith Jr., 1984; Miller, 1999).

Posteriormente, as evidências de Samuelson e Mandelbrot forneceram uma moderna justificativa teórica para a HME. Para essas pesquisas uma mudança inesperada nos preços em mercado especulativo comporta-se com passeio aleatório se o mercado é competitivo e os lucros são zero. Os argumentos são de que mudanças inesperadas nos preços refletem novas informações (Jensen & Smith Jr., 1984). Para Miller (1999), a HME deveria ser reconhecida com Prêmio Nobel (como a teoria das carteiras, da precificação de ativos e da estrutura de capital), pois se trata de um dos assuntos mais discutidos pela academia. Seus pressupostos já foram bastante estudados, especialmente pelo fato de disponibilização de dados de preços de fechamento mensais, dividendos para todas as ações da New York Exchange (NYSE) desde 1926, sobre as quais diversas evidências empíricas foram realizadas. Muitas pesquisas refutam sua robustez, entretanto ainda é testada.

Consequentemente, retornos anormais são encontrados em qualquer lugar, mas carregam a semente de sua queda. Com essa afirmativa Miller (1999) defende a fundamentação da HME, sob a justificativa de que imitadores acabariam competindo pelos retornos anormais, estabelecendo equilíbrio no mercado. Com essa mudança refuta-se a ideia de passeio aleatório e reforça a HME especialmente quando muda o foco para custo e retorno ajustados ao risco. Deixa de ser um assunto de estatística e passa a ser econômico. O valor da empresa é, portanto, alterado sob diversas circunstâncias e, dentre elas, mudanças na estrutura de capital. Modigliani e Miller (M&M) propõem, em primeiro momento, não haver relação entre o valor da firma e a mudança na estrutura de capital. Ao assumirem essa relação observa-se proximidade com a HME. Para Miller (1999), a proximidade entre a revisão de M&M e HME não é acidental, pois as firmas mudariam sua estrutura de capital com vistas aos prospectos futuros da firma.

O próximo evento relevante para as finanças foi a possibilidade de negociação do valor da firma com base nos prospectos futuros. Após fixados os fluxos de caixa estimadas para a firma, é possível estabelecer um valor futuro e negociá-lo. Uma opção de compra dá direito de comprar uma ação por um preço específico (preço de exercício) a qualquer tempo para exercê-la em data específica. Para evitar oportunidades de lucros sem risco o retorno da proteção (hedge) deve ser igual à taxa livre de risco (Jensen & Smith Jr., 1984). Embora com informações observáveis, as opções dependem de dados não observáveis como a variância da distribuição dos retornos do ativo subjacente que é estimada. Miller (1999) observa as opções como uma das questões mais férteis para pesquisas futuras em finanças.

Até então, observa-se um encadeamento de teorias migrando da abordagem normativa para a abordagem positiva. Tanto em Miller (1999) quanto em Jensen e Smith Jr.  (1984) as abordagens sobre essas teorias são convergentes e a classificação, embora com nomenclatura diferente, possuem a mesma conotação quanto aos aspectos normativos e positivos. Ambos demonstram haver melhor qualidade nas pesquisas quando se aborda o problema sob a abordagem positiva. Considerando a escolha de discussão proposta por Miller (1999), a teoria da agência surge apenas como uma preocupação para psicólogos e não para economistas. Das teorias até então abordadas nessa resenha ambos os trabalhos analisados são contemplados. Quanto a teoria da agência, Smith Jr. (1984) tratam com maior detalhe dado que propõem uma revisão de literatura e não uma escolha pessoal como em Miller (1999).

A teoria da agência é abordagem em Smith Jr. (1984) de forma essencialmente conceitual. Além das abordagens teóricas, algumas discussões com as teorias já abordada surgem em relação à composição da estrutura de capital, pois o conflito de agência pode-se definir a depender do quão monitorado esteja o gestor (agente). Teorias baseadas em trade-offs de compartilhamento de risco e outras vantagens da forma corporativa com seus custos de agência para definir a sobrevivência das empresas no longo prazo são importantes para a análises positivas sobre o valor da firma. Contudo, a dificuldade de avaliação do interesse e o real cumprimento de contratos dificultam ou enfraquecem as abordagens quantitativas. Possivelmente, por esse motivo, nenhuma das pesquisas resenhadas adentrou em aspectos positivos advindos dos problemas de agência, embora com vasta literatura teórica e empírica disponível. A teoria de agência é abordada por Smith Jr. (1984) como um “plano de fundo” para as demais teorias.

Mais duas pesquisas também comporão essa resenha. Trata-se de pesquisas preocupadas no estudo de finanças no mercado brasileiro. Nenhuma das duas, porém, lançam novas teorias ou constructos para essa área. A abordagem de estrutura de capital e de propriedade é visto em (Leal & Saito, 2003) e um trabalho bibliométrico do período de 2000 a 2010 foi realizado por (Leal, Almeida, & Bortolon, 2013) sobre a produção científica brasileira em finanças. Esses estudos demonstram a realidade brasileira em finanças sob dois prismas: produção acadêmica (Leal et al., 2013) e prática (Leal & Saito, 2003). Considerando a origem das teorias de finanças em evidência com empresas americanas, algumas discussões podem ser traçadas com base nos achados de cada uma dessas pesquisas a fim de lançar comparações entre teorias gerais e aplicação em mercados em desenvolvimento.

Com base em Leal e Saito (2003), observa-se a dificuldade de se aplicar teorias de finanças no Brasil. Os custos de agência e monitoramento excessivos, associados ao alto custo de capital, desestimulam o ingresso de empresas no mercado de capitais. O padrão típico de países emergentes revela uma estrutura concentrada favorece a ação oportunista dos controladores. Assim, sob a égide da teoria da agência, os conflitos principal-agente são minimizados e passa-se a chamar atenção os conflitos principal-principal no qual há a possibilidade expropriação dos minoritários. A única forma de reduzir essas assimetrias e problemas de agência são evidenciados por meio de política de dividendos e recompra de ações. A ausência de estruturas adequadas na composição do mercado acionário brasileiro pode, portanto, dificultar pesquisas e práticas com base em teorias de finanças aceitas em mercados maduros.

O estudo bibliométrico de Leal et al. (2013) demonstra fragilidade nas pesquisas sobre finanças realizadas no Brasil. Não se observa uma consistência em publicações ou até mesmo a definição clara de estudos voltados ao Brasil. A formação de parcerias é um aspecto positivo levantado pela pesquisa, entretanto, propõem melhorias na qualidade das publicações. Os autores abordam a profundidade metodológica e inovação teórica como um ponto frágil comparado a países desenvolvidos. Embora não abordem por essa linha, a dificuldade de acesso a dados, o número de empresas em mercado de capitais e a própria estrutura de propriedade podem destoar os resultados e análises empíricas quando se busca analisar teorias em mercados emergentes.

Por fim, as teorias em finanças finalizaram por volta dos anos 70. Poucas pesquisas de maior relevância foram apresentadas ou incorporou a denominada Moderna Teoria de Finanças. O amadurecimento dos mercados e a diferença nas suas operações – seja por novas transações ou por novas tecnologias – remete a emergência de novas teorias capazes de acompanhar o comportamento de empresas e seus reflexos no valor da firma. É possível propor, ainda, a definição de teorias específicas para países emergentes nos quais o ambiente de mercado difere daquele onde as teorias de finanças se originam.


Jensen, M. C., & Smith Jr., C. W. (1984). The theory of corporate finance: a historical overview. In M. C. Jensen & C. W. Smith Jr. (Orgs.), The Modern Theory of Corporate Finance (p. 2–20). New York: McGraw-Hill.

Leal, R. P. C., Almeida, V. de S. e, & Bortolon, P. M. (2013). Produção científica brasileira em finanças no período 2000-2010. Revista de Administração de Empresas, 53(1), 46–55.

Leal, R. P. C., & Saito, R. (2003). Finanças corporativas no Brasil. RAE eletrônica, 2(2), 1–15.

Miller, M. H. (1999). The history of finance. The Journal of Portfolio Management, 95–101.


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