Poison Pills: Compreenda como funciona esse mecanismo de governança corporativa
Resenha
Nesse texto, vamos apresentar o que são Poison Pills para te ajudar a compreender como elas protegem as companhias contra tentativas hostis de aquisição de controle. Sendo assim, abordaremos os seguintes tópicos:
O que é uma tentativa hostil de aquisição de controle?
O que são Poison Pills e como elas funcionam?
Uma particularidade no contexto brasileiro: as cláusulas “pétreas”
Reflexões Finais
1. O que é uma tentativa hostil de aquisição de controle?
Durante períodos de extrema volatilidade do mercado e incerteza dos investidores, como o recente cenário de pandemia da Covid-19, é possível que as companhias abertas se tornem mais vulneráveis a aquisições hostis. Nesse contexto, potenciais adquirentes (e.g., companhias ou investidores) podem aproveitar que as ações da companhia “alvo” estão subvalorizadas para, de maneira oportunista, tentar adquirir parte do controle acionário da companhia de forma hostil.
Essa tentativa hostil de aquisição de controle ocorre quando um potencial adquirente lança uma oferta para tentar adquirir determinado percentual de ações ordinárias da companhia “alvo” que lhe configure como controlador (ou como um dos controladores), sem que a administração e/ou acionistas dessa companhia tenham demonstrado interesse na alienação do controle acionário. Assim, como forma de impedir ou dificultar aquisições hostis, as companhias podem adotar mecanismos de governança corporativa denominados shark repellents, sendo as poison pills um dos mecanismos mais conhecidos pelo mercado.
2. O que são poison pills e como elas funcionam?
Antes de explicar o funcionamento das poison pills enquanto mecanismo de governança corporativa, é importante ressaltar que existem diferenças entre as poison pills adotadas nos Estados Unidos e no Brasil. Entretanto, apesar de assumirem diferentes formas, as poison pills devem ter como principal objetivo fornecer direitos e privilégios aos atuais acionistas, caso a companhia se torne alvo de uma aquisição hostil.
Nos Estados Unidos, as poison pills mais comumente adotadas pelas companhias são as poison pills flip-in e flip-over. De forma simplificada, esses mecanismos atuam da seguinte forma:
Poison pill flip-in: Quando um potencial adquirente acumula determinada porcentagem de ações ordinárias em circulação de uma companhia “alvo” (percentual de disparo) ou quando faz uma oferta para aquisição de determinado percentual dessas ações, a poison pill é ativada. Nesse sentido, todos os acionistas, exceto o potencial adquirente, podem comprar ações da companhia com um desconto no seu valor de mercado, diluindo, portanto, a participação do adquirente na companhia alvo.
Poison pill flip-over: Permite que os acionistas da companhia-alvo tenham o direito de adquirir ações com um desconto substancial no preço de mercado após a realização da fusão (merger) com o adquirente, sendo considerada um importante mecanismo por manter a participação societária desses acionistas na entidade alvo do takeover.
No Brasil, as poison pills são distintas das utilizadas nos Estados Unidos visto que elas geralmente preveem que qualquer investidor que tentar adquirir ou, de qualquer outro modo, tornar-se titular de determinado percentual de ações da companhia conforme definido no estatuto social (normalmente entre 20% a 30%), realize uma oferta pública de aquisição (OPA) para a aquisição da totalidade das ações em circulação da companhia-alvo, atendendo a determinados parâmetros de preço e condições de pagamento. Um exemplo desse dispositivo — que é normalmente inserido na seção de alienação do controle acionário do estatuto social — é evidenciado a seguir:
“Qualquer pessoa que adquira ou se torne titular de ações de emissão da Companhia, em quantidade igual ou superior a 20% do total de ações de emissão da Companhia deverá, no prazo máximo de 60 dias a contar da data de aquisição ou do evento que resultou na titularidade de ações em quantidade igual ou superior a 20% do total de ações de emissão da Companhia, realizar ou solicitar o registro de, conforme o caso, uma oferta pública de aquisição da totalidade das ações de emissão da Companhia (”OPA”), observando-se o disposto na regulamentação aplicável da CVM, o Regulamento do Novo Mercado, outros regulamentos da BM&FBOVESPA e os termos deste Artigo” (TECNISA, 2017, p. 24).
A necessidade de realização de oferta pública para a aquisição da totalidade das ações emitidas pela companhia praticamente impossibilita a tomada hostil de controle. No entanto, ainda existem outros aspectos que visam tornar essa operação ainda mais onerosa para o potencial adquirente, como a obrigação de que esses paguem um prêmio na compra das ações, conforme valor preestabelecido no estatuto da companhia (e.g., 125% da cotação unitária mais alta atingida pelas ações de emissão da Companhia durante o período de 12 meses anterior à realização da OPA). Nesse sentido, verifica-se que percentuais de disparo muito baixos e prêmios excessivamente altos são características presentes nas poison pills adotadas por companhias abertas brasileiras, reduzindo, assim, a probabilidade de tentativas hostis de aquisição de controle (AMBROZINI; PIMENTA JUNIOR; GAIO, 2015).
3. Uma Particularidade no Contexto Brasileiro: As Cláusulas “Pétreas”
Outra particularidade no contexto brasileiro relacionada a adoção de poison pills é a possibilidade de inclusão, no estatuto social, de uma cláusula “pétrea”, que prevê que esse dispositivo anti-takeover não pode ser alterado ou removido, diferentemente das poison pills adotadas no Estados Unidos, que normalmente são válidas por um período de 10 anos. De forma simplificada, esse dispositivo obriga que o acionista que tiver votado pela alteração ou exclusão da poison pill realize uma oferta pública para a aquisição da totalidade das ações emitidas pela companhia, tendo como base os parâmetros já definidos quando da adoção da poison pill. Um exemplo dessa cláusula “pétrea” é evidenciado a seguir:
A alteração que limite o direito dos acionistas à realização da OPA prevista neste Artigo ou a exclusão deste Artigo obrigará os acionistas que tiverem votado a favor de tal alteração ou exclusão na deliberação em Assembleia Geral a realizar a OPA prevista neste Artigo, observado o disposto no Parágrafo 3° do Artigo 10 deste Estatuto Social (TECNISA, 2017, p. 28).
Tendo em vista a possibilidade de implementação da cláusula “pétrea”, diversos questionamentos acerca da sua validade jurídica foram colocados em pauta, além da discussão relacionada ao possível desvirtuamento da principal finalidade das poison pills, que em vez de fornecer direitos e benefícios aos acionistas, podem estar sendo utilizadas para promover o entrincheiramento de gestores ineficientes (MAESTRI, 2011; MARTINS, 2015).
No tocante à validade jurídica das cláusulas “pétreas”, é importante ressaltar que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), se manifestou contrariamente à sua utilização. No Parecer de Orientação Nº 36, a CVM declara que os acionistas que votarem pela supressão ou alteração da cláusula de proteção à dispersão acionária não serão penalizados pelo órgão. Essa decisão do colegiado foi pautada na perspectiva que a inclusão das cláusulas “pétreas” não se compatibiliza com princípios e normas da legislação societária, visto que se o objetivo das disposições acessórias for tornar as cláusulas de proteção à dispersão acionária praticamente imutáveis, elas irão de encontro ao disposto no Art. 122, I, da Lei nº 6.404, de 1976, que outorga poderes à assembleia geral para alterar o estatuto sempre que o interesse social assim o exigir.
4. Reflexões Finais
As companhias que enfrentam dificuldades financeiras significativas, com as oriundas da pandemia do Covid-19, podem se tornar alvos potenciais para aquisições por firmas maiores e financeiramente mais estáveis. Nesse contexto, a implementação de uma poison pill pode ser uma estratégia de governança corporativa eficaz para essas empresas, visto que elas podem evitar aquisições indesejadas e manter uma posição de negociação mais forte. Isso é especialmente relevante quando se considera que firmas maiores, ao tentar adquirir empresas menores em dificuldades, podem estar buscando manter ou reforçar um monopólio ou liderança de mercado.
Importante ressaltar que companhias que adotam as melhores práticas de governança corporativa também estão suscetíveis a tentativas de aquisições hostis, como as companhias do Novo Mercado. Por emitirem apenas ações ordinárias (ações com direito a voto), o free float de 25% que deve ser mantido pelas companhias listadas no segmento Novo Mercado pode tornar essas companhias mais vulneráveis a tentativas de aquisições hostis. Assim, considera-se importante que essas companhias, mesmo listadas no segmento mais elevado de governança corporativa, adotem poison pills como um mecanismo complementar relacionado à proteção dos acionistas e da manutenção da dispersão acionária. Como exemplo, tem-se o caso da Vale S.A., que no processo de transição para o segmento Novo Mercado, adotou a poison pill para se proteger de futuras tentativas hostis de aquisição de controle.
Nesse sentido, verifica-se que a poison pill não só protege a empresa de uma aquisição hostil, mas também proporciona uma plataforma para negociar valores de forma mais vantajosa, garantindo que qualquer transação futura seja realizada em condições que beneficiem a empresa e seus stakeholders. Entretanto, deve-se atentar que a poison pill, quando acompanhada por cláusula pétrea, pode ser um mecanismo que não promove a governança corporativa, mas sim, o entrincheiramento gerencial.
Referências
Ambrozini, M. A., Pimenta Junior, T., & Gaio, L. E. (2015). Governança corporativa: Poison Pills e seus impactos em empresas brasileiras. Revista de Administração e Inovação, 12(4), 225-242.
Maestri, E. (2011). Cláusulas Pétreas no Direito Societário Brasileiro: Proteção ou Entrincheiramento? Revista Brasileira de Direito Empresarial, 5(2), 1-14.
Martins, R. A. (2015). Cláusulas Pétreas e Poison Pills: Análise de sua Aplicabilidade no Mercado Brasileiro. Revista de Direito Mercantil, 54(3), 367-385.
Tecnisa S.A. (2017). Estatuto Social. Disponível em: https://ri.tecnisa.com.br/