Governança Corporativa em Situações Especiais

Resenha

Finanças
Governança
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

12 de maio de 2021

A governança corporativa é fundada sob o conflito de agência entre propriedade e controle. As suas ações são dirigidas à mitigação ou redução de assimetrias existentes dada a utilidade requerida por cada agente no momento da contratação. Diversos esforços já são de conhecimento público – mesmo com implementação difícil – e são completas sob o ponto de vista teórico. Contudo, algumas práticas podem colocar em dúvida a eficácia dos mecanismos de governança, dentre os quais destaca-se, nessa discussão, a ocorrência de aquisições hostis.

A possível mudança de controle da empresa sem o consentimento da maioria, seja pela própria mudança ou por quem está detendo o controle, pode interferir na gestão operacional das empresas afetando a capacidade das empresas em gerar valor. Nesse trade-off de controle corporativo a opinião dos acionistas, revertidas em seus votos são importantes na escolha do formato pelo qual a empresa operará. Os minoritários, por sua vez, possuem pouca influência individual na decisão e se utilizam da cessão de poderes a um único personagem, responsável por defender os interesses do bloco minoritário, revelando uma disputa de procurações nas decisões corporativas.

Embora tenha seus pontos positivos, as decisões por meio de procuração são também discutidas na literatura como uma “erva daninha” aos preceitos da governança corporativa. A discussão quanto a essa prática permeia a real intenção dos minoritários da empresa quando da sua combinação com outros negócios. Pressupondo o interesse dos minoritários pela maximização do valor da empresa, o esforço em procurar interesses comuns deveria ser nessa direção, mas não é o verificado no mercado americano.

O mecanismo eficiente emergente na governança corporativa em contraponto às disputas por procuração é o processo de aquisições corporativas e reestruturação atuando, especialmente na redução do conflito principal-agente ao definir nova gestão com base no desempenho das gestões pretéritas. Embora com diferenças no comportamento, o Reino-Unido e a Europa apresentam os patamares esperados quanto ao retorno anormal dos lucros após processo de aquisição.

A geração de valor para a empresa pode ser prejudicada a depender da forma como a empresa sofre alterações na estrutura de sua alta gestão, comprometendo a pilares de redução de conflitos de agência. Discute-se, portanto, a forma como o controle das entidades pode influenciar a governança interna e externa.

O conflito de agência, discutido na teoria da firma, vem sendo mitigado pelas práticas de governança corporativa. A satisfação das utilidades dos agentes por meio do controle das firmas representa uma prática normalmente conflitante com a geração de valor para as empresas. Aquisições hostis, disputa de procurações emitidas por minoritários, reestruturações societárias e outras combinações de negócios passaram a ser praticadas após a década de 80, possuindo pontos convergentes e divergentes aos preceitos da governança corporativa.

As práticas de mercado podem ter aspectos positivos e negativas a depender do comportamento de quem as pratica. O empowerment de quaisquer agentes não significa prejuízo para a firma, mas a possibilidade de seus interesses serem priorizados em detrimento aos demais preocupa o mercado, prejudicando a relação contratual e gerando custos de monitoramento das transações.

No caso das procurações emitidas por minoritários um representante no intuito de ampliar o seu poder de voto, trata-se de um mecanismo capaz de modificar a composição de um conselho e influenciar o destino da corporação em casos de mudança de propriedade. Essa prática foi bem recepcionada até os anos 90, mas em virtude de dispositivos legais contrários a mudanças bruscas de controle onde os interesses da firma acabavam preteridos. Anteriormente os investidores individuais não possuíam recursos suficientes para reivindicar assentos nos conselhos, recorrendo a entidades empresariais para disputar por meio de procurações. Na década de 2000, os fundos de hedge passaram a dominar disputas por procuração com foco em orientar objetivos de curto prazo relacionados a incorporações, cisões, recompras de ações ou pagamento de dividendos. (Szilagyi, 2010).

O uso sistema no uso de procurações não se mostrou eficiente, especialmente pela dificuldade de convencimento dos acionistas sobre determinadas escolhas. Mesmo a SEC intervindo no processo, permitindo comunicações on-line entre acionistas e adoção de sistemas eletrônicos de procuração, convencer os acionistas sobre o benefício das ações do dissidente não constitui tarefa fácil. Para Szilagyi (2010), A possibilidade de os dissidentes poderem agir em benefício próprio dificulta a crença de acionistas dispersos quanto a efetividade no atendimento de seus interesses, voltando-se para as decisões da gestão já estabelecida.

Szilagyi (2010), com base em pesquisas empíricas, relata a dificuldade de os dissidentes alcançarem o controle majoritário do conselho, dado o risco intrínseco a eles. Entretanto, normalmente as disputas por procuração acabam delegando diretorias aos dissidentes. Os fundos de hedge, por exemplo, conseguiram 67% de participação nas disputas das quais participou desde 2001. Os fatores identificados como explicativos para esse cenário é o empenho dos recursos dos dissidentes e o desempenho operacional da empresa-alvo no processo de aquisição de controle.

A difusão das disputas por procuração foi ampliada a partir da década de 2000, especialmente pela facilidade de emissão de procurações e comunicação por meio da internet, tornando mais fácil e barato para os dissidentes comunicarem-se publicamente. No entanto a SEC já procura reduzir o empowerment dos dissidentes limitando o número de diretorias a serem ocupadas por meio de procuração. Conforme Szilagyi (2010), as novas regras permitem a inclusão, pelos acionistas, de até 25% das diretorias disponíveis.

Uma forma importante indicada por Stegemoller (2010) para aquisição de outras entidades são as aquisições corporativas e reestruturações quando realizadas por meio de sinergias positivas, aproveitando preços desfavoráveis no mercado, reduzindo o risco do negócio adquirido ou baseados na baixa performance. Nesse caso esse mecanismo de governança surgiria por via externa ao negócio-alvo e buscaria maximizar os interesses dos acionistas, mitigando o conflito principal-agente.

Stegemoller (2010) elenca alguns motivos para a realização de aquisições, dentre eles: a) a expansão da capacidade; b) realocação de ativos; c) problemas de agência; d) sinergia; e d) entrincheiramento gerencial. Esses motivos se chocam, pois não são mutuamente excludentes. Assim, a resolução de um problema pode ampliar outro. Espera-se grandes mudanças na governança interna como forma de recuperar resultados insatisfatório das empresa-alvo. Nesse caso a mudança de controle funcionaria como um mecanismo benéfico para a continuidade do negócio.

A contribuição de aquisições e reestruturações é evidente quando consegue se consegue a eficiência operacional. A dispersão de setores pode ampliar o conflito de agência interno. De acordo com Stegemoller (2010), quanto mais setores operantes na empresa, maior a dificuldade em avaliar corretamente as informações disponíveis. Nesse caso, o comportamento dos gestores é escondido com maior facilidade, deixando margem para destruição de valor em nível da firma.

O incentivo em nível da firma ocorre com a remuneração em base de ações. A preferência pelo financiamento das subsidiárias por meio da adquirente faz com que ambas as entidades convirjam para o mesmo fim. Como entidades separadas, os ativos de ambas as firmas serão facilmente transferidos para interessados na firma. (Stegemoller, 2010).

Martynova e Renneboog (2010) visualizam as aquisições de empresas como uma forma de geração de riqueza para firma. Parte-se do pressuposto da criação de sinergias quando dos anúncios de novas aquisições. Os autores verificam retornos anormais ao serem anunciadas reestruturações. Trata-se de uma “aposta” arriscada para os acionistas da empresa adquirente, pois os valores as altas no valor da empresa adquirida podem corroer os ganhos pós aquisição.

Para reduzir riscos essas operações normalmente incluem modificação na gestão, onde a empresas adquirente substitui a gestão pela seu know-how, sinalizando continuidade de políticas já conhecidas pelos acionistas. Martynova e Renneboog (2010) citam que aquisições hostis acontecem nesse ambiente quando a gestão da empresa adquirida não é eficiente na aplicação dos mecanismos internos de governança corporativa. Busca-se a melhor forma de realizar a transição de um controle para outro em prol dos interesses da adquirente.

Alguns mecanismos de proteção aos minoritários, por sua vez, põem em risco os interesses dos acionistas da empresa adquirente. Obrigações de oferta de direitos para minoritário (tag along, por exemplo) podem encarecer a aquisição da empresa-alvo, permitindo aos acionistas minoritários um maior pedaço. Esse mecanismo positivo para os minoritários pode intervir negativamente no mecanismo de aquisição, prejudicando a eficiência do sistema de governança, embora sejam relatados pelos autores vários atributos negativos para a diversificação de empresas.

As desvantagens de diversificação podem superar as sinergias e resultar em destruição de riqueza para os acionistas da adquirente. A diversificação de fusões e aquisições tendem a gerar retornos mais baixos para os acionistas da adquirente quando as atividades da empresa-alvo são diferentes. Já os acionistas da empresa-alvo podem se beneficiar dessas operações. Assim, a expectativa de que a adquirente atue de forma mais agressiva é fator para o encarecimento da aquisição de empresas com atividades distintas.

A troca de controle entre as empresas é uma realidade no meio corporativo. Os mecanismos da governança corporativa têm-se modificado em virtude de novas origens do conflito de agência nas empresas. Conflitos existentes em nível de acionistas controladores e minoritários revela-se no contexto de aquisições e fusões, pois seus interesses em maximização de capital são, por vezes, divergentes.

Um ponto a destacar é a preocupação com a continuidade das operações da empresa-alvo. A troca de gestão pode desalinhar as atividades da empresa e não gerar a sinergia esperada em um processo de aquisição. Os interesses envolvidos no processo de aquisição devem dar lugar à análise da permanência da geração de lucros pela empresa-alvo. O risco associado a descontinuidade do negócio por falta de sinergia pode ser mitigado por práticas de governança corporativa, especialmente quando trata de alinhar interesses inter-companhias. Sob esse aspecto, acionistas da empresa-alvo e da adquirente podem se utilizar de assimetria de informações e auferir ganhos anormais.

Por fim, a troca de controla sob os diversos mecanismos existentes merece a atenção do mercado e aplicação de regras coerentes e atentas às diversas de formas de expropriação de riquezas entre os agentes. Questões relacionadas a anúncios de aquisições, aquisições hostis, dentre outras devem fazer parte do portfólio de riscos capazes de tornar o mercado menos confiável.


Martynova, M. & Renneboog, L. (2010). Corporate takeovers and wealth creation. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 27, pp. 535-558). New Jersey: Wiley.

Stegemoller, M. (2010). Corporate takeovers and restructurings. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 26, pp. 517-533). New Jersey: Wiley.

Szilagyi, P. G. (2010). Proxy Contests. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 25, pp. 497-516). New Jersey: Wiley.


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