Alavancagem e Estrutura de Capital

Resenha

Finanças
Endividamento
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

19 de julho de 2020

A literatura sobre estrutura de capital após os pressupostos de Modigliani e Miller avançou em diversas correntes como o tradeoff, pecking order, efeito entrincheiramento e Market Timing. Essas vertentes buscam explicações para mudanças na estrutura de capital com base em ações discricionárias da gestão. Nessa resenha será discutida a teoria do Market Timing, conforme descrita por Baker e Wurgler (2002), para a qual existe oportunismo na modificação da estrutura de capital via emissão de ações em momento satisfatório para a empresas. Posteriormente, discute-se alguns determinantes da estrutura de capital com base em decisões de financiamento das empresas por meio dos achados de Rajan e Zingales (1995) em pesquisa realizada em países industrializados.

A teoria do Market Timing pressupõe o oportunismo dos tomadores de decisão no momento de avaliar a sua estrutura de capital. Os market timers (tomadores de decisão baseada no Market Timing) se utilizam de informação vantajosa para aproveitar momentos de melhores perspectivas de retornos e emitir ações. Nessa perspectiva, pressupõe-se melhores perspectivas de retornos fundamentadas em informações vantajosas. Dessa forma, o Equity Market Timing corresponde à emissão de ações quando os preços estão altos e a sua recompra quando os preços estiverem em baixa. Na perspectiva de Baker e Wurgler (2002) o foco é a avaliação da persistência do Market Timing na estrutura de capital das empresas, analisando se são de curto ou longo prazo. De acordo com seus achados, cuja análise se concentra em empresas com capital acima de 10 milhões, após o segundo ano de emissão o nível de endividamento retorna ao seus status quo.

Para analisar o Market Timing, Baker e Wurgler (2002) utilizam o índice M/B – market-to-book (razão entre o valor de mercado e o valor contábil da empresa) para indicar as decisões de mudanças na estrutura de capital das empresas. O M/B foi relacionado com o nível de alavancagem da empresa para se analisar a possibilidade de o aumento no M/B influenciar o aumento (redução) da alavancagem.
A análise da pesquisa consistiu em avaliar a forma e a persistência dessa relação construindo um índice acumulado de M/B ponderado para análise da persistência e utilização de momentos de análise a partir do IPO – Initial Public Offerings (Oferta Pública Inicial) para verificar a forma como se dá o Market Timing. O IPO foi adotado na pesquisa sob o pressuposto de ser o momento no qual a decisão de captar recursos próprios é evidente. Nesse momento a empresa passa a ampliar sua estrutura de capital próprio com emissão de novas ações.

Os resultados de Baker e Wurgler (2002) convergem para modificação do endividamento das empresas (alavancagem) em virtude de alterações no M/B das empresas. Mesmo diante variáveis de controle (ativo, EBITDA, imobilizado) a explicação persiste, denotando o oportunismo na alteração da estrutura de capital. Dados esses resultados os autores questionam a possibilidade desses achados serem explicados por outras teorias de estrutura de capital existentes, considerando o fato de a estrutura de capital envolver pressupostos anteriores ao Market Timing. No entanto, avaliam os resultados como mais coerentes com a teoria do Market Timing.

Para comparação com outras teorias, Baker e Wurgler (2002) apresentam alguns aspectos conflitantes entre o market timing e outras teorias de mudanças na estrutura de capital. Em relação ao tradeoff há a divergência quanto a persistência da relação entre M/B e alavancagem, pois não seria possível ter uma estrutura de capital ótima constante como propõe o tradeoff, fazendo a alavancagem variar no tempo. Em relação a teoria do pecking order a dissonância ocorre pelo fato de a alavancagem reduzir em caso de futuras oportunidades de investimento, independente do indicador M/B, retirando desse indicador a explicação para o nível de alavancagem. Quanto ao efeito entrincheiramento, há a suposição da rejeição de dívidas para benefício por meio de emissão de ações com expropriação de investidores. Embora pareça convergente com o Market Timing, divergem por não haver otimização do endividamento dado o gerenciamento de resultados e pelo fato de no Market Timing a estrutura de capital depender do valor do mercado (Baker & Wurgler, 2002).

Ainda assim, foi possível verificar, dentre as teorias mencionadas, duas possíveis explicações para os achados de Baker e Wurgler (2002). Ao considerar a racionalidade dos gestores e investidores, é possível associar a relação inversa em M/B e a seleção adversa para a qual maiores índices de M/B implicaria em menores custos de seleção. Dessa associação, os resultados de Baker Wurgler (2002) se aproxima da versão dinâmica do Pecking Order. Por outro lado, outra explicação surge do pressuposto da irracionalidade dos gestores e investidores por aumentarem o capital quando o custo desse é baixo, contribuindo para uma variação do M/B de forma a identificar percepções de má valorização dos gestores.

Observa-se a recorrente indefinição sobre os determinantes da estrutura de capital. A relação entre alavancagem e o índice book-to-market evidenciada em Baker e Wurgler (2002) de fato demonstra uma persistente mudança na estrutura de capital por meio de aumento de capital próprio via emissão de ações. Contudo, outros fatores observados por outras teorias ou achados empíricos também convergem para esses resultados. Com base nesse contexto, a pesquisa de Rajan e Zingales (1995) se preocupou em identificar determinantes para a estrutura de capital, observando as metodologias de pesquisas anteriores. Embora reconheçam progressos na parte teórica sobre estrutura de capital, reafirmam o fato de pouco se saber sobre o tema. O fato de as pesquisas se concentrarem no mercado americano é outro fator de preocupação, pois podem consistir em relações espúrias. A robustez dos resultados se daria ao encontrar em outros países as mesmas relações (Rajan & Zingales, 1995).

Baseados nessa lacuna, Rajan e Zingales (1995) estabelecem o objetivo de analisar as relações entre estrutura de capital e outros fatores mencionados na literatura em empresas de outros países. Para tal, são necessários dados internacionais. As primeiras verificações dos autores é a diversidade dos países e a necessidade de padronizar, de alguma forma, os dados obtidos para as relações. Dessa forma, buscaram analisar países similares aos Estados Unidos se concentrando em países do G7. A disponibilidade de dados e a similaridade entre os mercados favoreceram a escolha, embora fatores como sistema legal e tributário, os tornem diferentes. Ainda assim, o nível de alavancagem entre as empresas se demonstram semelhantes (diferente do que se pensava antes) e as diferenças não são facilmente explicadas por questões institucionais consideradas importantes pela literatura. A sua amostra final contou com 30 a 70% das companhias listadas nos países, representando mais de 50% da capitalização do mercado (dados de 1987 a 1991, sendo 1982-1986 para teste de robustez).

As constatações de Rajan e Zingales (1995) se iniciam pela verificação de divergência dos balanços patrimoniais, especialmente quanto aos ativos circulantes os quais representam 40% nos países anglo-americanos e 30% nos europeus. A composição desses ativos também diverge, com ênfase para estoques e recebíveis dos países europeus. Complementando essa análise, avaliam medidas de alavancagem realizando diferenciações entre elas. Ressaltam que a mudança da razão entre dívida liquida e ativos totais modificam os resultados de sua pesquisa. Essa constatação é importante ao se observar diversas medidas de alavancagem nas pesquisas realizadas. A mudança no denominador ou numerador do índice de alavancagem pode levar, portanto, a resultados inverídicos ou espúrios. Outro fator, também mencionado por Rajan e Zingales (1995) é o fato de balanços consolidados apresentarem endividamento mais altos em relação aos balanços de empresas que não o fazendo. Os autores, contudo, não encontram explicações claras da motivação desse fato.

Para Rajan e Zingales (1995) as mudanças nas estruturas de capital durante a década de 80 podem explicar a diferença nos resultados de sua pesquisa. A modificação nas medidas de alavancagem, a verificação de diferenças entre os índices de dívidas entre países e, especialmente, o detalhamento das medidas de alavancagem podem explicar essas diferenças. Resumidamente, após ajustados os dados contábeis e usando diferentes medidas de alavancagem, observa-se a Alemanha como o país com menor alavancagem entre os países do G7 e os demais apresentam níveis de alavancagem similares.

Do ponto de vista da análise de cross-sections, a análise da relação entre o índice market-to-book e a alavancagem ainda permanece uma incógnita. O fato de se relatar relação negativa entre market-to-book e alavancagem pode ser dever pelo fato de empresas apresentarem baixa alavancagem simplesmente pelo fato de as ações estarem com valor alto e haver mais emissões o que, necessariamente, não significa menos dívida. Quanto ao fator tamanho, não foi possível identificar explicações para a sua correlação com a alavancagem. Já o a rentabilidade pode ter sua relação negativa com a alavancagem explicada pelo fato de maior rentabilidade influenciar mais emissão de ações e redução de dívida (Rajan & Zingales, 1995). De um modo geral, os autores explicam diversas questões acerca da estrutura de capital, sugerindo mais estudos interpaíses para melhor compreensão de determinantes da estrutura de capital das empresas.


Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market Timing and Capital Structure. The Journal of Finance, 57(1), 1–32.

Rajan, R. G., & Zingales, L. (1995). What do we know about capital structure? some evidence from internacional data. The Journal of Finance, 50(5), 1421–1460.


De volta ao topo