Anomalias
Resenha
A busca por interpretações dos fenômenos do mercado (tais como as anomalias registradas na literatura) está presente nas pesquisas mais recentes sobre precificação de ativos. Nessa resenha serão discutidos trabalhos preocupados com a existência e persistência de anomalias, assim como o fato de sua extinção após as publicações acadêmicas revelando a sua existência, inclusive sob a abordagem da eficiência de mercado. Dentre os quatro estudos abordados, dois (Fama & French, 2008; Hou, Xue, & Zhang, 2015) abordam, respectivamente, uma revisão de algumas anomalias listadas na literatura buscando identificar sobreposição informacional entre elas e a proposição de um novo modelo com variáveis voltadas a investimento com base na q-theory. Os outros dois (Doran & Wright, 2007; Schwert, 2002) discutem a persistência das anomalias pós publicação em journals pelos acadêmicos. Assim, por um lado visualizamos pesquisas preocupadas em identificar as anomalias e, por outro, pesquisas questionando sua existência.
O fenômeno anômalo é caracterizado pela ausência de associação com o modelo de precificação de ativos (CAPM – Capital Asset Pricing Model) proposto por Sharpe e Lintner, na década de 60. Diversos trabalhos, listados em Fama e French (2008), identificaram algum padrão anômalo nos retornos. Entretanto, Fama e French (2008) revisitam as anomalias quanto ao tamanho, valor, rentabilidade, crescimento, accruals, emissão de ações líquidas, e momentum. Além de visualizar a complementaridade de cada variável na explicação do padrão da cross-section de retornos, discutem questões metodológicas com suas vantagens e desvantagens. Uma das principais observações quanto ao aspecto metodológico está relacionada à inclusão de microcaps nas amostras das pesquisas. As microcaps não são pequenas ações, somente. Tratam-se de ações sem representatividade ou liquidez capaz de caracterizar um mercado ativo.
O efeito tamanho é a anomalia mais presente nas pesquisas, indicando haver consenso quanto a divergência entre os ganhos obtidos por empresas grandes e pequenas. Contudo, o fato de haver microcaps dentre empresas grandes é visto como um viés metodológico, pois as regressões estimadas são dominadas por informações das microcaps. A representatividade das microcaps na capitalização é de 3%, porém com 60% de participação no número de ações, evidenciando o valor ínfimo da ação individual. Essa discrepância de valor influencia tanto as estimações via regressão quanto os testes de média dos retornos. Essa expectativa é confirmada por Fama e French (2008) quando evidenciam o viés do efeito tamanho com as microcaps.
Por outro lado, não se evidenciam efeitos divergentes com as microcaps ao avaliar a anomalia de momento (momentum), pois evidenciou-se semelhança nos retornos médios dos portfólios formados por empresas grande, pequenas e microcaps (o ponto de corte foi o 20° e o 50° percentil da capitalização no final de junho na NYSE). O efeito crescimento de ativos segue uma tendência de significância sendo forte entre as microcaps, fraca (com significância estatística) entre as pequenas e praticamente inexistentes entre as grandes. As demais anomalias analisadas são idênticas entre os grupos por tamanho. Os coeficientes médios se apresentam divergentes quanto a sinais e desvios-padrão, mas com valores convergentes entre esses grupos. O ponto principal de divergência se encontram nos extremos dos portfólios.
A classificação dos portfólios é outro aspecto bastante enfatizado por Fama e French (2008), especialmente para emissões de ações líquidas e accruals. Recompra de ações são seguidas por fortes retornos anormais positivos e o quintil mais extremo das ações emitidas mostram um forte retorno anormal negativo. Assim, no mínimo quando mensurados líquidos dos efeitos tamanho e book-to-market, retornos anômalos após emissões de ações líquidas e accruals parecem ser limitados pelos extremos. Uma afirmação final em Fama e French (2008) diz respeito ao fato de variáveis explicativas para os fluxos de caixa futuros e para os retornos, por si só, não ajudar a determinar a variação do retorno esperado causada por risco ou por mispricing. Essa afirmação confronta diretamente a fundamentação de Hou et al. (2015) para o efeito investimento na explicação de retornos futuros.
Embora confrontem o trabalho de Fama e French de 1996, quando demonstram a relação entre seus três fatores (mercado, tamanho – market equity e book-to-market), a pesquisa de Hou et al. (2015) de certa forma afronta as afirmações de Fama e French (2008) quanto o impacto da rentabilidade e variáveis ligadas à explicações de fluxos de futuros na cross-section dos retornos médios. O cerne de Hou et al. (2015) está na q-theory, cujas pressuposições indicam mudanças no valor investido ou desinvestido das empresas com base nos retornos esperados. Para a q-theory o investidor (tratado no artigo como famílias) apenas investe quando há expectativa de retornos futuros. Esse trade-off entre investir ou desinvestir influencia tanto o retorno esperado quanto, a sua relação paralela com a rentabilidade também contribui para relação entre a rentabilidade e os retornos médios.
Associada a essa discussão, Hou et al. (2015) enfatizam o fato de a taxa de desconto divergir entre as empresas, demonstrando a heterogeneidade a ser esperada nas decisões empresariais. Fundamentada na teoria neoclássica, a q-theory parte das decisões empresariais alterando o contexto macro (mercado). As decisões de investimento e desinvestimento com base na taxa de desconto (quanto maior a taxa de desconto menor a possibilidade de investimento) possibilita a caracterização das empresas em diversos aspectos capazes de tornar o investimento e rentabilidade como de explicação dos retornos médios das empresas. Entretanto, os preços não se ajustam para dar origem à cross-section de taxas de descontos constantes, pois nesse caso assumiria a improvável situação de risco igual para todas as empresas.
Os retornos esperados se alinham com a rentabilidade e os investimentos quando o mercado equilibra o investimento realizado com base na rentabilidade esperada e, consequentemente, no retorno obtido. A relação negativa entre retornos e investimento esperado é intuitiva: Firmas investem mais quando seu q marginal (valor presente líquido dos fluxos de caixa futuro gerados por uma unidade adicional de ativos) é alta. Por outro lado, firmas com maior rentabilidade esperada devem obter retornos maiores em relação às firmas com baixa expectativa de retorno. Essas classificações com base em rentabilidade e investimento captam diversas anomalias. A classificação de emissões líquidas de ações, composição das emissões, book-to-market, e outras são mais próximas de investimento do que rentabilidade. A relação entre retorno e rentabilidade esperada é consistente com momentum, efeitos pós anúncio de lucros e efeitos de crises financeiras. A classificação em ganhos acima do esperado deve produzir um spread de rentabilidade entre os portfólios extremos. (Hou et al., 2015).
Algumas limitações elencadas por Hou et al. (2015) dizem respeito ao modelo com investimentos ou rentabilidade similares pressupor a mesma direção na predição dos retornos, mas a equação proposta não fazer isso, pelo menos não diretamente. Para que o fator-q alcançasse o rigor da teoria de precificação baseada em investimento, deveria ir além da equação proposta, especificando completamente a dinâmica dos modelos de investimento para quantificar claramente os fatores-q tão bem quanto os geradores heterogêneos do investimento e rentabilidade. A formação dos fatores de Hou et al. (2015) contemplou o efeito tamanho, investimento e rentabilidade (ROE) sob a justificativa de haver maiores efeitos de lucros e investimentos em empresas pequenas relacionadas às grandes. Assim, classificar ROE e investimento conjuntamente é consistente com o modelo econômico e mostra que o efeito de ambos são condições naturais.
A proposta de Hou et al. (2015) consistiu em avaliar 80 anomalias agrupadas em (i) momentum; (ii) Valor x Crescimento; (iii) Investimento; (iv) Rentabilidade; (v) Intangíveis; e (vi) atritos comerciais. A construção dos portfólios adotou frequência de dados diferentes: os portfólios de investimento (accruals e book-to-market) são construídos anualmente e os de ROE (momentum, lucros inesperados e crises financeiras), mensalmente. Essa estratégia permite capturar os efeitos de anomalias que também ocorrem com frequências distintas. Diferentemente de Fama e French (2008), as microcaps foram excluídas (3% da amostra), pois devido aos custos de transação e falta de liquidez não se costuma explorá-las na prática (Hou et al., 2015).
No geral, o modelo fator-q, proposto por Hou et al. (2015), performou melhor em relação aos modelos de Fama e French e Carhart, cujas demonstrações são descritas ao longo de seu artigo com apresentação de alfas de book-to-market significativos em número bem menor e pela corroboração com o trabalho de Gibbons, Ross e Shanken ao rejeitar os três modelos (fator-q, FF e Carhart), mas com menos decis rejeitos para o primeiro. O modelo fator-q apenas não performa melhor que Carhart e FF na captura de anomalias de accrual operacional e P&D/Mercado. As conclusões de Hou et al. (2015) se direcionam para o fato de que as ponderações em ações com baixa liquidez e valor (microcaps) podem explicar o aparente exagero quanto as anomalias elencadas na literatura. Muitas anomalias aparentemente não relacionadas podem ser diferentes manifestações dos efeitos investimento e rentabilidade. Os resultados empíricos destacam a importância da compreensão das forças motrizes ligadas aos fatores-q e seu amplo poder empírico na cross-section.
Enquanto Fama e French (2008) e Hou et al. (2015) disputam modelagens para capturar explicações para a cross-section de retornos médios, outras pesquisas se voltam a discutir a real existência de anomalias, pois, essencialmente, essas somem após a sua divulgação. Schwert (2002) alerta para o fato das anomalias serem resultados empíricos aparentemente inconsistentes com teorias de comportamento de precificação de ativos. Elas indicam ineficiências do mercado (oportunidades de lucro) ou inadequações ao modelo de precificação de ativos subjacente. Depois de documentadas e analisadas na literatura acadêmica, as anomalias muitas vezes parecem desaparecer, reverter ou atenuar, levantando a questão sobre as oportunidades de lucro terem existido ou serem simplesmente aberrações estatísticas que atraíram a atenção de acadêmicos e profissionais.
O aparato tecnológico e o acesso a dados com frequência da vez menores possibilitaram a expansão de pesquisas sobre precificação de ativos, especialmente após as evidencias de Lintner e Sharpe (anos 60). O aspecto cauteloso levantado por Schwert (2002) é o fato de pesquisas documentarem uma anomalia e as pesquisas posteriores não a identificarem. Esse fato põe em dúvida a existência da anomalia, assim como a metodologia empregada para sua evidência. Nessa linha a proposta de Schwert (2002) é levantar questões sobre as implicações desses achados para a atuação profissional e acadêmica decorrentes. Após listar diversas anomalias e suas refutações posteriores, é possível perceber alguns fenômenos identificados como anômalos como aspectos não identificados nos modelos de precificação utilizados, como por exemplo os casos de gênero levantados por Barden e Odean em seus achados de 2000 e 2001.
As decisões sobre as políticas financeiras das empresas (IPOs, oferta de ações, fusão, etc) são tomadas para terem efeitos de curto prazo nos preços, entretanto, Schwert (2002) identifica uma sistemática adoção de medidas de longo prazo para análise do seu comportamento a ponto de descobrirem a sua ineficácia na maioria das situações. O processo de aprendizado lento sugerido nas pesquisas não condiz com o pressuposto da hipótese de mercados eficientes. Mesmo aceitando a lentidão do mercado em compreender a política financeira das empresas, a incerteza associada ao preço durante cinco é tão longo a ponto de não fazer sentido para as empresas informarem suas escolhas financeiras.
Todas estas descobertas levantam a possibilidade de que as anomalias são mais aparentes do que real. A notoriedade associada com os achados de evidências incomuns leva autores a investigar anomalias intrigantes para explicá-las posteriormente. Mesmo existindo no período da amostra, as anomalias geradoras de estratégias para tirar proveito de suas características acabam desaparecendo por ser de conhecimento geral, consonante com a hipótese de mercado eficiente (Schwert, 2002). De forma complementar, Doran e Wright (2007) levantam a questão da falta de proveito do pesquisador ao identificar uma anomalia. Se for possível tirar proveito da anomalia, então não haveria motivos para torná-la pública. Trata-se de uma ação aparentemente irracional.
A ação de um pesquisador de finanças para a teoria proposta por Doran e Wright (2007) seria racional. Então seriam, como esperado, maximizadores racionais de utilidade, confrontando-se com a sua reputação enquanto pesquisador. Por meio da análise da probabilidade de publicação de uma anomalia por um professor, foi possível relacionar a publicação e o tempo de término de seu doutoramento (reputação). A expectativa e na publicação tardia de uma anomalia rentável. Considerando a reputação, apenas pesquisadores com alta reputação tenderiam a publicar anomalias rentáveis. Dentro da especificação do modelo artigos em journals considerados top são pontuados positivamente para o pesquisador, assim como o número de citações nos seus artigos.
Os resultados indicam a reputação como fator de estímulo à publicação de anomalias. As anomalias tendem a ser publicadas, em média, por pesquisadores com pouca publicação e neófitos na área de finanças. Objetivamente, a pulverização de publicações sobre anomalias se deve, em sua maioria, a professores com baixa produtividade acadêmica, seja em número de publicações ou pela qualidade (journals top). A publicação de anomalias se deve a necessidade de formação de reputação pelos pesquisadores, os quais ganham mais utilidade ao publicá-las em relação a mantê-las para ganho pessoal. O comportamento dos pesquisadores não podem ser confundidos, entretanto, com o corpo editorial (Schwert, 2002).
Doran, J. S., & Wright, C. (2007). So you discovered an anomaly… gonna publish it? an investigation into the rationality of publishing a market anomaly. SSRN Electronic Journal, (January), 1–47.
Fama, E. F., & French, K. R. (2008). Dissecting anomalies. The Journal of Finance, 63(4), 1653–1678.
Hou, K., Xue, C., & Zhang, L. (2015). Digesting anomalies: an investment approach. Review of Financial Studies, 28(3), 650–705.
Schwert, G. W. (2002). Anomalies and market efficiency. SSRN Electronic Journal, (October), 1–52.
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