Teoria da Contratação e Escolhas Contábeis
Resenha
A firma é visualizada como um grande feixe (teia) de contratos que se intercalam e cruzam em vários sentidos e entres diferentes partes da organização. Mediante esses contratos definem-se as relações entre partes díspares e independentes. Esses contratos não são necessariamente formalizados, muitas vezes estabelecem-se relações que não pressupõe existência física (ou tangível) de um contrato, existindo tão somente no plano informal.
Considerando essa abordagem conceitual da firma proposta por Coase (1937) é possível verificar a dificuldade de se mensurar os interesses de cada participante na firma. Dentre os interesses mais estudados estão a relação entre principal e agente na figura do proprietário e o gestor. Essa relação decorre da visão de Jensen e Meckling (1976) quando observam a inexistência do agente perfeito, definindo a natureza humana como utilitarista e racional que conduz os indivíduos a maximizarem uma “função de utilidade” voltada muito mais para as suas próprias preferências e os seus próprios objetivos. Esse problema é definido na literatura como conflito de agência. Adam Smith, já no século XVIII mencionava: não se pode esperar que os diretores das companhias que administram o dinheiro de outras pessoas zelem por ele e o façam com a mesma vigilância cuidadosa dos sócios de uma empresa privada.
Para Lambert (2001), cuja proposta é revisar a teoria da agência e sua aplicação em questões contábeis, no modelo simplista da agência a organização é reduzida a duas pessoas: o principal e o agente. O papel do principal é o suprimento de capital, assumir riscos e construir incentivos para atingir seus interesses. Já o agente possui a atribuição de tomar decisões de interesse do principal e correr riscos, embora esse último seja uma preocupação secundária.
Sob o prisma da contabilidade, a teoria da agência contribui na discussão de dois pontos principais levantados por Lambert (2001) quais sejam como as características da informação, contabilidade e sistemas de compensação afetam problemas de incentivo e como a existência de problemas de incentivo afetam o design e a estrutura da informação, contabilidade e sistemas de compensação.
Essas questões apresentam a característica endógena da aplicação da teoria da agência, pois mesmo gerando insights quanto a questões contábeis e de auditoria, suas maiores contribuições são voltadas ao aspecto gerencial por tratar da mensuração de custos, receitas e lucros. (Lambert, 2001).
Nessa perspectiva, a contribuição da contabilidade se volta para o aspecto da mensuração do desempenho, em especial quando a organização remunera seus gestores com base no resultado da firma. A teoria da agência tem suas raízes na literatura economia da informação. A contabilidade é colocada em um ambiente de tomada de decisão explícita e o valor de sua informação deriva de decisões ótimas tomadas com base na sua utilização.
Não é fácil, porém, identificar medidas de desempenho capazes de controlar a ação utilitarista do gestor. As pesquisas sobre a teoria da agência pressupõem a utilidade do gestor e a necessidade do principal (proprietário) controlar essas ações. Mesmo identificando medidas coerentes e congruentes com os interesses dos acionistas, alguns aspectos são identificados por Lambert (2001) nessa relação. Trata-se de decisões voltadas ao poder discricionário do gestor.
Algumas medidas de desempenho dependem de informações prestadas pelo gestor e quanto este se encontra em situações adversas pode gerenciar seus resultados de forma a maximizar a sua utilidade. Meios de adoção de contabilidade criativa, medidas de desempenho incompletas ou tendenciosas, desempenhos da divisão ou em nível da firma são formas de o gestor “burlar” o que pretende o proprietário. Trata-se claramente de um problema de accountability, pois precisa-se da revelação fiel do gestor quanto ao seu desempenho em determinado período.
Lambert (2001), exemplifica o uso utilitarista da informação pelo gestor com o orçamento de capital. Quando o gestor identifica o montante a ser investido em determinado projeto, avalia o resultado pretendido e o valor de sua remuneração. Nada impede o direcionamento de recursos do projeto para o agente. Nesse caso, o principal pode não identificar a utilidade do gestor dado o resultado esperado alcançado. O gestor, nesse caso, se utilizaria da maximização do recurso para se chegar ao resultado esperado, ou seja, conseguiria o mesmo resultado com menor esforço.
Magee (2001) expõe um problema intrínseco às pesquisas sobre teoria da agência que trata da impossibilidade ou dificuldade de observação dos fenômenos decorrentes da relação principal-agente. Para o autor, muitos elementos do modelo de agência além de não serem observados pelo principal não são observáveis pelos pesquisadores deixando para que empiristas reflitam sobre as abordagens teóricas da agência e encontrem relações causais entre ações utilitaristas e remuneração, por exemplo.
Um nível de controle mais acurado das ações do agente pelo principal é quanto a criação de sistemas de controle de gestão. Lambert (2001) indica ser esse um instrumento importante para o processo de delegação de autoridade. Magee (2001) reforça informando ser um importante meio para tirar vantagem da informação privada do gestor e limitar seu uso. Mesmo com controle efetivo sobre as informações do gestor a informação ainda pode ser enviesada em favor do gestor por meio de escolhas da informação. A taxa de desconto na apuração do valor econômico agregado é um exemplo. A depender do percentual escolhido a empresa pode ter desempenhos diferentes. Estando o gestor sob a responsabilidade de mensuração desse indicador, pode utilizar-se da melhor taxa em seu favor.
Magee (2001) reforça a velocidade da mudança nas nossas incertezas quanto a mensuração contábil. Questões como accruals e outras práticas que incorrem em custos de monitoramento podem causar mudanças nas práticas contábeis, revelando novos padrões de mensuração de desempenho. Fields, Lys e Vincent (2001) abordam que escolhas contábeis sem restrições provavelmente impõem custos aos usuários das demonstrações financeiras porque os preparadores provavelmente terão incentivos para fornecer informações que beneficiam eles próprios. Por outro lado, a mesma escolha contábil pode ser motivada pelas avaliações objetivas dos administradores, com base nas suas informações privadas, de que o atual preço das ações está subvalorizado. Essas duas situações são difíceis de serem separadas, no entanto entender as motivações das escolhas contábeis torna as pesquisas com esse foco interessantes.
Para Francis (2001), as definições de escolhas propostas por FLV (Fields et al. 2001) se expande para várias dimensões. A primeira é a natureza do tomador de decisão para a qual as pesquisas sobre escolhas contábeis se direcionam para as ações do gestor, pois as escolhas de outros agentes parecem não ser foco das pesquisas nesse campo. Portanto, emergem as possibilidades para pesquisas voltadas a identificar motivações para escolhas de outros agentes.
Outra dimensão da proposição de FLV é a natureza da escolha. Nessa dimensão há o interesse por escolhas mutuamente excludentes, ou seja, a escolha por uma prática contábil exclui a possibilidade de uso de outra, mas ambas são igualmente aceitas. É o caso da escolha dos métodos PEPS ou média ponderada, itens de divulgação, vida útil e outras escolhas normalmente reguladas por órgãos de contabilidade. Francis (2001) também acrescenta a dimensão quanto ao impacto no resultado. São as escolhas cujas origens se encontram na definição dos custos e reconhecimento de receitas de modo a impactar o lucro declarado período a período.
Assim, a taxonomia de Fields et al. (2001) constitui-se da ideia que: a) a contabilidade atua na mitigação de conflitos entre agentes da relação contratual da firma; b) o método contábil se constitui no meio de comunicação de informações privadas entre o gestor e os demais agentes, e; c) a regulação da contabilidade afeta a qualidade e a quantidade de informações financeiras divulgadas.
O cerne da discussão de Fields et al. (2001) reside na dificuldade de obtenção de dados críveis nas pesquisas sobre teoria da agência. O fato de todas as transações ocorrerem no âmbito da firma dificulta a coleta e a tabulação de dados capazes de relacionar variáveis voltadas a distinguir os interesses do principal e do agente.
A real motivação de uma escolha contábil, por si só, já gera a dificuldade de entendimento quanto ao interesse do gestor. Conforme Fields et al. (2001), os órgãos reguladores tem demonstrado preocupação quanto ao número de escolhas possíveis à disposição do gestor. Para os autores, os reguladores devem entender as vantagens e desvantagens de permitir escolha e determinar o nível ‘ideal’ de discrição.
As pesquisas, conforme Fields et al. (2001), normalmente partem do pressuposto de haver interesse utilitarista pelo agente e do seu desconhecimento pelo principal. Essa visão acaba fragilizando os resultados apresentados no sentido de não explorar os fatores endógenos envolvidos durante a contratação. Possivelmente alguns aspectos considerados frágeis para o principal já possam ter sido precificados durante a negociação, por exemplo.
Do exposto, é possível buscar reflexões quanto a dificuldade de se mensurar o impacto das divergências de interesse entre principal e agentes nas organizações. Tal como propõe Francis (2001), as críticas de Fields et al. (2001) quanto aos achados de pesquisas envolvendo a relação principal-agente são, na realidade, um meio para melhoria das pesquisas, constituindo-se em desafio para novos pesquisadores. Questões quanto a implicação dos métodos contábeis e proposição de novos modelos analíticos para escolhas contábeis são fundamentais para novos estudos, embora se reconheça a dificuldade de suas implementações dada a endogeneidade das escolhas contábeis.
Coase, R. H. (1937). The nature of the firm. Economica, 4, 386-405.
Fields, T. D., Lys, T. Z. & Vincent, L. (2001). Empirical research on accounting choice. Journal of Accounting and Economics, 31(1-3), 255-307.
Francis J. Discussion of empirical research on accounting choice. Journal of Accounting and Economics. 31(1-3), 309-319.
Jensen, M. C. & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: managerial behavior agency, costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360.
Lambert, R. A. (2001). Contracting theory and accounting. Journal of Accounting and Economics, 32(1–3), 3-87.
Magee R. P. (2001). Discussion of ‘‘Contracting theory and accounting’’. Journal of Accounting and Economics, 32 (1–3), 89-96, 2001.
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